Por meses, só senti melodias mofadas. Só sabia criar o velho. E me recusei.
Por meses, queria ver janela, mas não tinha energia pra virar de lado. Não era depressão nem tristeza, era incapacidade mesmo. Estava criando morte. E isso demanda muita energia.
Foram muitas, por meses. Mortes de familiares amados, de estruturas sólidas, de planos desenhados em pedra, de sonhos que faziam morada no útero.
Tudo morreu e eu fiquei ali, na quina entre o teto e a parede, enlutando, desfazendo quem fui. Olhava nossas fotos de casamento e buscava aquelas pessoas dentro de casa. Não estavam.
Não é fácil se morrer. Tudo fora convida pra criação, pra novidade, pro jovem. Escolher ficar ali, apodrecendo, me pediu firmeza, companhia, nitidez do que estava vivendo. É necessário fé pra se morrer.
Por vezes quis fugir, criar uma nova coisa, fazer um texto sobre o que quer que fosse, processar mais rápido pra poder entregar. A única criação possível era a de dentro.
Desteci um mundo inteiro em mim. Imagina só o tanto que isso pede de si. Me perdi, não soube quem era, me achei nula, um nada, vazia.
E foi de habitar o vazio que vi nascendo Universo dentro.
Eu achava que ela chegaria arrebatadora, a ideia. Gritada pela mata, imponente, impossível de não ser ouvida. Uma maçã gigante caindo no topo da cabeça.
Mas não. Tem sido silencioso, delicado, imperceptível se eu não tivesse me habituado ao silêncio da morte.
Não busquei a criação. Fui vazio para que ela pudesse me habitar.
A vontade era de ler todos os livros, criar mapas mentais, conversar com quem me inspira, escarafunchar qualquer migalha dentro pra fazer dela pão velho.
Só que nasci pra criar mais que pão dormido. A digestão e o paladar gostam mais dos de fermentação lenta. Em escuta a esse tempo, deixo fermentar em mim antes de partilhar esse pão. Já já ele sai do forno.
É que aprendi.
Não apresso a criação.
Confio que ela vem.
Porque assim é. A vida cria.
O cheiro agora é de sussurro fresco.
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