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Estou em Bali.
Entre campos de arroz, templos e oferendas.
Reconhecendo que o único motivo para qualquer infelicidade é minha mente.
Andando de scooter na mão inglesa, as pernas queimadas com a marca do short.
Cumprimentando desconhecidos com um sorriso genuíno.
Acalentando as saudades da família.
Vendo uma Bali mais ocupada por ocidentais do que quando vivi aqui.
Lamentando e me reconhecendo parte do problema.
Meditando na beleza da riqueza desse mundo.
O balinês não é materialmente rico e o coração transborda prosperidade.
Aqui, o ritmo é outro.
Não vejo os locais correndo.
Vejo as Ibus (senhoras) preparando oferendas, os Paks (senhores) colhendo jasmim pra colocar nas mesmas oferendas. Três vezes ao dia, pra agradecer aos deuses e espantar maus espíritos. Eles não deixam a peteca espiritual cair. Não fecham o coração nem baixam a guarda. Eu aprendo e relembro de parar, respirar e intencionar as próximas horas.
Vejo todos varrendo as calçadas com uma vassoura feita de plantas. Admiro-os sentados no chão dos baleh (estruturas suspensas que existem em todo canto, sem paredes, com teto de piaçava) comendo, conversando, fazendo nada.
Inspiro, expiro, retenho a poesia que se faz entre cheiros de flores, incenso e plástico queimado e sons de pássaros, chuva, música de cerimônia e motos semi incessantes.
Sim, não é só romance. Há machismo presente na estrutura social tradicional, há uma inabilidade de lidar com a chegada rápida da cultura e consumo ocidentais, há o ônus e bônus do turismo.
Mas também sim, Bali convida ao desfrute, à beleza, ao preenchimento, ao significado presente em cada oferenda.
Aqui, não é sobre fazer, é sobre se conectar.
Não são financeiramente prósperos, mas exalam a prosperidade existencial.
Bali desacelera. Nos convida a revisitar nossas escolhas de estilo de vida.
Como já falei aqui, passei o segundo semestre em desintoxicação de tanto fazer.
Fui muito mais do que fiz.
Fiz muito almoço e feira.
Lavei muita louça.
Pendurei muita roupa no varal.
Tirei muita erva daninha da horta.
Escrevi um tanto e não publiquei.
Atendi menos pessoas.
Não ofertei quase nenhuma vivência.
E não fui menos por isso.
Reconheci que meu valor não está no que faço.
A vinda para Bali está coroando e finalizando esse processo de valorizar o ser e já sinto - e desenho - um 2020 de novidades e projetos nascendo a partir desse vazio preenchido por mim mesma, no orai e vigiai para não cair no vício do fazer.
Escutei antes de vir pra Bali, durante o Colaboramerica, de Julieta Paredes feminista comunitária, poeta e escritora que o processo de descolonização inclui tirarmos o colonizador de dentro de nós, nos desfazermos da ideia de progresso como crescimento infinito, da definição de quem alguém é através do que ela faz: sou engenheiro, jornalista, terapeuta, professor.
Você não é isso. Você faz isso.
Você é muito mais do que isso. Você é indefinível.
Tenho me interessado tão mais por saber como as pessoas passam seus dias, em que investem energia, o que as faz feliz, quais seus interesses atuais, o que as nutre, quais desafios têm enfrentado. Posso saber de tudo isso sem saber qual sua profissão.
Bali me reafirma: o preenchimento e a real realização não dependem necessariamente do fazer.
A arte de realizar é muito diferente da arte de se sentir realizada.
Me sentir realizada está intimamente ligado ao que desejo nutrir em mim mesma enquanto faço aquilo. Faço só por mim ou incluo o todo?
Aqui em Bali há uma filosofia tradicional. Tri Hita Karana. A tradução literal é algo como as "três razões para a prosperidade", que são: harmonia com Deus, harmonia entre as pessoas e harmonia com a natureza.
A harmonia entre os seres humanos vem da cooperação comunitária e da promoção da compaixão; a harmonia com Deus é manifestada em rituais e oferendas; e a harmonia com o meio ambiente busca promover a sustentabilidade e o equilíbrio ecológico.
A prosperidade, para eles (e pra mim), se faz quando estamos atuando desde esse princípio.
Atuando para o bem comum, para além do pequeno ego.
Isso nos convida a dar significado a cada ação e a cuidar da qualidade de presença enquanto faço o que faço. Posso oferecer uma hora do meu dia a alguém como quem bate ponto, ou intencionar que aquele momento seja de transformação positiva para ela, pra mim e que beneficie todos os seres.
A mesma ação, com sensações muito diferentes.
Quando morei em Bali trabalhando como voluntária, passava umas duas horas varrendo o chão (já limpo!). Nos primeiros dias, que horror! A mente só reclamava. Até que descobri porque eles varrem tanto: a limpeza fora convida a limpeza dentro. A varreção ganhou outra perspectiva. Ganhei duas horas de meditação e limpeza interna.
Você pode realizar muito, mas sem fazê-lo com Tri Hita Karana e sem atribuir significado e presença a seu fazer, acho difícil que se sinta preenchidx.
Aí você se pergunta: Carol, mas você não fala sobre trabalho com propósito? Como está tirando valor do trabalho dessa forma? Não estou tirando nada, pelo contrário, estou imbuindo o trabalho de significado. Porque enquanto o trabalho existe para preencher o buraco da realização, seguiremos com fome infinita.
Podemos fazer muito com o intuito de preenchermos o vazio da existência, ou podemos agir a partir do lugar interno de preenchimento, de alegria, de beleza. De nos sentirmos tão agradecidxs por estarmos vivxs que sentimos necessidade de ofertar nossos dons e talentos ao mundo.
O trabalho com propósito é consequência, lembra?
Consequência de uma vida nutritiva e significativa.
Aqui em Bali a palavra "obrigada", o agradecimento é Terima Kasih, que significa literalmente "receber e dar", nos relembrando que dar e receber são parte de um mesmo movimento. Ao dar, estou recebendo e ao receber estou dando.
Estamos finalizando o ano. Tempo de olhar para o que fizemos e vivemos e intencionar o próximo ciclo. (A próxima news é sobre isso, conto mais sobre ela já já!)
Te convido a meditar sobre o que você quis preencher com suas realizações, qual o significado de suas ações em 2019 e que qualidade de agir você quer ter em 2020.
Te convido a VIVER muito nas últimas duas semanas do ano.
A se nutrir de vida, a imbuir de significado suas realizações.
Te convido a agradecer.
A colocar intenção ao varrer o chão.
A valorizar o que come.
A colher flores e sorrisos.
A sentar na sombra e conversar, sem querer chegar.
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